Um bicampeão mundial

Amigos do blog,

segue um texto homenagem a um dos maiores artesões do corte de cabelo e mundialmente reconhecido. E que tem a barbearia na Teodoro Sampaio há modestos 60 e poucos anos.

Por Gustavo Mello

Quando tento trazer à tona minha lembrança mais antiga, sempre encontro dificuldades. No começo da vida, as imagens que se fixam são sempre dispersas: uma bronca terrível que parecia o fim do mundo, a primeira ida ao estádio de futebol (no caso um empate entre São Paulo e Portuguesa). Junto com essas imagens, uma se destaca em primeiro plano: as idas ao Salão Jardim.

Uma cadeira de barbeiro, uma almofada velha para me deixar mais alto e as mãos hábeis do Aldelson. Esse senhor desenvolveu uma intimidade estranha na minha vida. Eu não sabia quase nada da sua vida, e ele sempre soube muito da minha vida. Não só sabia da minha vida como de toda a minha família. Meu pai, irmãos, tios, primos e até minha avó quando viva frequentava o salão. Me marcou muito a relação do meu avô com o Salão Jardim. Depois da morte da minha avó, ele ia lá diariamente para conversar com a turma de barbeiros que além do Adelson, era composta pelo Nelson e pelo Orestes.

Adelson se instalou no bairro de Pinheiros em 1948. Viu com os próprios olhos como a cidade, as pessoas e os cortes de cabelos mudaram. Dizia que modernizou o corte para agradar os mais novos. Mas a verdade é que o corte que fazia em nossas cabeças era clássico. Nem moderno, nem antigo, simplesmente clássico. Talvez fosse isso que agradasse tanto à nossa família, assim como aquele ambiente onde senhores da zona oeste da cidade jogavam conversa fora com elegância e sem pressa alguma. Lá foi um dos únicos lugares onde vi o tempo realmente parar.

Me lembro como fiquei fascinado quando descobri que o Adelson era bicampeão mundial de corte de cabelo em Paris. Saí contando para todos os amigos da escola, com orgulho: “Meu barbeiro é bicampeão mundial, 1981-82!”. E assim continuei anunciando esse título por anos a fio, enquanto me transformava, crescia. Ir ao Salão Jardim cada vez mais independente era quase como uma vitória.

Mas o Adelson foi ficando cada vez mais fraco, por causa das seguidas sessões de hemodiálise. Um dia senti que precisava apresentar minha esposa ao Adelson, como dizendo “veja o que virou aquele menino que sentava nessa mesma cadeira”. Naquele dia ele mal conseguiu acabar o corte, parou no meio, ofegante, e sentou na poltrona ao lado. O que vi foi um homem que lutava para que sua vida terminasse como começou, simples e honesta. Igual aos seus cortes de cabelos.

Na última quinta-feira, dia 29 de agosto, Adelson faleceu. As palavras do meu pai resumem tudo: “Talvez as suas mãos já não estivessem tão firmes… Mesmo assim ele insistia…Um pedaço da nossa história foi-se com ele…”.

Sobre Luiz Ferraz

27 anos, cineasta, sambista, são-paulino doente e bom de garfo.
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5 respostas para Um bicampeão mundial

  1. Luiz Ferraz disse:

    Queria agradecer aqui ao Adelson, que sempre rendeu boas histórias de botequim e boas risadas. Principalmente vindo da família Mello, particularmente do Gustavo. Deixo um abraço ao Adelson.

  2. Stefanno disse:

    Tive a oportunidade de frenquentar a barbearia do Adelson. Confesso que foram poucas vezes, mas motivadas pelo Mello. Lamento imensamente saber do fato de seu falecimento. Um grande abraço, ao Bi-Campeão, Adelson.

  3. Gustavo Leite disse:

    Apesar de nunca ter frequentado o Salão Jardim, beneficiei-me do talento do Adelson por tabela. Durante alguns anos fui cliente do Luis, barbeiro do clube Alto de Pinheiro e pupilo orgulhoso do metre Adelson.

    Parabéns pelo texto Mello.

  4. Miguel Jorge disse:

    Não sabia que o Adelson Gravena havia falecido em Agosto de 2010. Depois que saí da Ford em 1979 fui trabalhar na Facit e lá conhecí o José Carlos Peres que era um meio parente do Adelson. Foram mais de dez anos cortando o meu cabelo e dois dos meus filhos. Ele era um guerreiro, apesar da doença que já era hereditária. Ele cortava os cabelos tambem de gente da mídia como Tatá e Escova e outros. Tambem não sei se o Orestes e o Nelson “Zangado” continuam lá. Foram muitos troféus adquiridos pela competência e sem o alard que alguns ‘jassas’ da vida fazem. Com certeza Adelson não parou, está cortando o cabelo a aparando a barba de São Pedro. Fica com Deus, amigo !

  5. B disse:

    Bons tempos em que eu ia com meu pai e irmão na galeria para cortar o cabelo, ele sempre com o Adelson, e eu e meu irmão com o Nelson ou Orestes. Enquanto o cabelo ganhava forma, eu ficava quieto ouvindo as conversas sobre o Brasil, além de sempre observar meu pai galantear a manicure e no caminho de volta para casa íamos comentando o quanto ela era gostosa e o quanto o Adelson era um excelente barbeiro. Certo dia meu pai chegou em casa enquanto estávamos almoçando comentou abatido que o Adelson havia falecido há alguns meses, fiquei emocionado, era como se parte de mim tivesse de certa forma partido com ele. Já não cortava o cabelo na galeria fazia anos, já cortava o cabelo sozinho, hj não falo mais com meu pai e ultimamente tenho ficado com bastante saudade daqueles bons tempos de inocência e cabelo feito com excelência. Gostaria de saber por onde andam o Orestes e o Nelson.

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