Os porres de um sexagenário

Na semana passada, fui lá no seu Antenor para dar um tapa no cabelo e ele me contou uma história muito interessante de um amigo seu de muitos anos: o seu Marcos.

Antes de virar “seu Marcos”, ele era o “Marquinhos”. Nasceu e cresceu em Pirassununga, interior de São Paulo. E quando adolescente, como não poderia deixar de ser, ele não teve nenhuma outra boa idéia, além da de virar pinga com refresco de laranja no coreto do centro da cidade. As bebedeiras eram divertidíssimas, e a ressaca quase nunca vinha.

Isso foi mudando quando ele chegou aos vinte. E a pinga barata com refresco já não descia bem como antes. E no dia seguinte era pior ainda. Foi aí que lhe apresentaram a vodka. “Melhor custo benefício não há!”- afirmou o Tadeu, seu melhor amigo. E realmente, com o Brasil em pleno milagre econômico, não era difícil encontrar vodka barata nos botecos da vida. Mas o Marquinhos percebeu que nem tudo eram flores, e que a bebida russa era traiçoeira. Depois de ter chutado o seu cachorro, batido no melhor amigo e terminado a noite com chave de ouro chorando na sarjeta, ele jurou que “vodka nunca mais”.

Isso foi próximo dos seus 30 anos. Foi aí que ele descobriu que existiam cachaças boas, que nem desciam queimando na barriga, e nem davam a ressaca que o fez mudar para a vodka. Ele virou então, um mestre do alambique. Conhecia as melhores cachaças de várias regiões do país. Discursava em uma mesa de bar durante horas sobre uma mesma marca. O seu paladar foi mudando com o tempo, e a bebida destilada já não saciava a vontade de experimentar bebidas mais suaves. E o Marcos, que já se tornara “seu Marcos”, trocou os “shots” de cachaça por taças de vinho. O Brasil passava por uma das suas piores crises. O Collor havia acabado de sofrer o impeachment, e o “seu Marcos” já havia perdido a sua poupança para o governo. O pouco dinheiro que restou, serviu para comprar vinhos, e ele se orgulha disso até hoje.

O plano econômico mudou com o passar dos anos, e o seu gosto também. Ele adorava o vinho, mas o whisky tinha muito mais a sua cara. E conforme ele ia envelhecendo, o seu whisky também: 8, 10, 12 anos… Ele já tinha condições suficiente para só tomar o whisky com a idade do seu filho mais novo: 15 anos. Essa bebida sim era tudo o que ele sonhou a vida toda! Descia macia, deixava um gosto forte que sobia para o nariz, não o levava para “o lado negro da força” como a vodka e, o melhor de tudo, não dava ressaca. Tudo o que um cinquentão queria!
E o seu Marcos deixou de ser um cinquentão e finalmente virou sessentão. A aposentadoria chegou e os dias passados no sofá começaram a encher o saco. A dona Aurélia, desacostumada com o maridão em casa, sempre dava um jeito de pegar no pé do “véio”. E o “véio” fez o que a maioria dos “véios” fazem: foi para o bar.

Lá no bar, o seu Marcos reencontrou o Tadeu, seu melhor amigo de Pirassununga. Peças do acaso. Conversa vai, conversa vem… de repente, em uma rápida troca de olhares eles tiveram a mesma idéia.

– Ô Polaco! Desce uma 51 com sukita! – falaram juntos.

Depois de 40 anos sem tomar porre de pinga barata com refresco de laranja, o seu Marcos, que nessas horas já se sentia o “Marquinhos” novamente, voltou pra casa abraçado com o seu amigo de infância. Ele chegou, beijou apaixonadamente a dona Aurélia e pediu para que ela fritasse um ovo.

O seu Antenor terminou de contar toda essa história antes mesmo de terminar de cortar o meu cabelo. A gente riu junto de como a vida prega peças quando a gente menos espera. Mas ainda tinha uma coisa que me intrigava. Em todos esses anos de vida do seu Marcos, passando por vários tipos de bebida, o seu Antenor não tinha falado sobre a cerveja nenhuma vez. Foi aí que com um sorriso maroto ele me respondeu:

– É que como cerveja não tem esse negócio de fase, achei melhor nem citar.

Tá certo o velho…

Sobre Guilherme

26 anos, paulista, roteirista.
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3 respostas para Os porres de um sexagenário

  1. Bianca Corona disse:

    Quem chegar lá em casa e der uma olhada no bar vai entender esse “causo”…. o Gui aprendeu bem com o Seu Antenor e já tá preparado par viver todas as fases do Seu Marcos, com, obviamente, a geladeira cheia de cerveja.

  2. Luiz Ferraz disse:

    é isso ai, cerveja não tem fase. Só tem que ter na geladeira.

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