Até ele tinha seu lado feminino

O homem da barbearia foi criado para ser homem.

Ele dizia que era homem, gostava de provar que era homem e falava o tempo todo como homem.

Uma em cada dez frases ele começava com “homem que é homem” e terminava sempre concluindo alguma coisa sobre carros, rock antigo ou uísque.

O homem da barbearia, aliás, acreditava em uísque do mesmo jeito que acreditava em religião. E não confiava suas noites a nenhum rótulo ou messias que tivesse menos de mil anos.

O homem da barbearia, no entanto, era um ser de muitas faces.

Eu mesmo, por exemplo, já o vi comprando sapatos. Era uma botinha azul de camurça. E eu só acreditei que era o homem da barbearia porque ele não usava meias.

Para comprometer ainda mais a sua fama de mau, as pessoas diziam que ele gostava de poesia e tinha uma admiração secreta pelo Neruda. Comentavam até que ele grifava os versos prediletos e enviava discretamente às mulheres.

Antigamente, quando ouvia falar em literatura já fechava a cara. Sem nunca ter lido nada, dizia que os homens eram Marx e Nietzsche, provavelmente, mais pela barba e pelo bigode do que por qualquer outra razão.

Eu ainda acho que, se for verdade, ele só falava dessas coisas para conquistar as mulheres. Sua vida sexual não era muito agitada.

Afinal, um homem que foi criado para ser homem não anda por aí falando de astrologia e vinhos. Principalmente um homem que nunca viu a Estrela do Oriente e acha que esse negócio de cheirar rolha é coisa de veado.

Sobre Thiago Tiriba

Negão, poeta e pianista.
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Uma resposta para Até ele tinha seu lado feminino

  1. Anderson A. Queiroz disse:

    Brilhante. É sempre bom ter novas e boas “vozes” na web.
    Prossigam.

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